quarta-feira

O escritor faminto e o mundo zipado

Observo o mundo comprimido dentro do olho mágico. Aparentemente, o corredor só é habitado por uma samambaia podada e por um quadro curvo de recados. Dentro do olho mágico, o corredor parece um longo e calmo caminho até o vizinho. Lá no fundo sua porta se contorce para caber num espaço exíguo.

Ao girar a chave, trinques e traques soam. Tão mágica quanto o olho, ela destranca a porta que se abre como a capa de um livro iluminado por lâmpadas econômicas, liso como um piso recém lavado cheirando a pinho. Eu não devia estar saindo, não devia mesmo. Ele pode estar por aqui, aquele homem rude, sua cabeleira inconfundível, desgrenhada como se louco, como se faminto. Embora não tenha ofendido sua família, nem mesmo saiba seu nome, ele inexplicavelmente quer me matar.

Ouço um estalo, uma porta batendo. Não preciso caminhar ou ouvir passos, não preciso feder ou sentir seu cheiro, não preciso sorrir ou vê-lo sorrir num último momento precedente à violência fatal de sua mão, porque antes mesmo da visão de sua ameaçadora figura posso transcender meus sentidos e saber, simplesmente: quem entra no térreo é o homem desse livro maldito que narra minha morte. Meus sentidos, no entanto, também não negam sua presença; minhas pernas, essas sim, negam-se ao movimento. O instinto torto do homem civilizado que sabe aceitar a hora da sua morte.

Então o estouro, o estrondo de um livro de mil anos que se fecha. Do bolso do seu casaco uma chama expande-se em slow motion liberando o fedor inconfundível de pólvora e milhares de partículas ínfimas de chumbo incandescente. Uma miríade me leva por uma viajem nos limites da consciência.

Oh it´s one for the money
Two for the show
Tree to get ready, now go cat go!
But don´t you
Step on my blue suede shoes
Oh, you can do anything
But lay off of my blue suede shoes

Através de cores iridescentes, o leão dos olhos de mosca fala:
“O Sr. Durdan manda lembranças.”

Quem?
Já não importa.

Um comentário:

  1. Esses ultimos tempos li alguma coisa do Edgar Allan Poe. Até me lembrou alguma coisa, talvez a desgraça, mas a narrativa com certeza é bem mais Rubem Fonseca.
    Amo vc e tou te esperando =)

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