segunda-feira

Prisão

Gold teeth and a curse for this town were all in my mouth.
Only, I don't know how they got out, dear.
Turn me back into the pet that I was when we met.
I was happier then with no mind-set.
The Shins – New Slang

Vi num filme, deve ter sido num filme, que os prisioneiros molham seus cigarros com saliva pra que eles durem mais, pra não queimarem tão rápido. A experiência da prisão deve ser algo foda, a solidão, nada pra fazer, imagino que eles fumem pra caralho, ou leiam livros e durmam o dia todo. Particularmente, eu não lambo meus cigarros. Já o resto, faço sim.

Moro sozinho nesse apartamento devastado da Lima, na ponta da Lima. Bares dia e noite funcionando lá em baixo e eu aqui, fumando, lendo e dormindo sozinho. Daí me faz pensar: qual a diferença afinal? Eles presos lá, eu aqui. É uma comparação meio ingrata, fui eu quem me prendeu, então não deveria haver motivos pra reclamar. Quem tá reclamando afinal? A vida solitária no apartamento devastado não é tão decepcionante assim.

Quando tem jogo, pra falar a verdade eu não torço, mas quando tem jogo junta uma porrada de gente nos bares. Do sétimo andar, dá pra ouvir a ovação a cada gol. E toda noite, uma velhinha costura pra fora na janela aqui do lado. Ela me olha escrevendo, eu olho pra ela costurando. Não nos conhecemos, eu cogitei ir fazer a barra das minhas calças lá com ela. Acho que ela me odeia. Tem sempre a cara fechada, assim, parece raiva. Uma velhinha que odeia as pessoas através da janela do seu apartamento, devo ser meio assim.

Tem mais uma coisa com o isolamento: sinto vertigem ao sair daqui. Moro sétimo, notou? É muito alto. Ao abrir a porta, o chão do corredor some, tudo some, uma porta que dá no nada. Vontade de chorar. Claro que me jogo no vazio quando preciso de cigarros, mas nem pensar ir torcer pro grêmio. Não gosto de jogo de futebol mesmo.

Ah, recebo visitas todas as manhãs, são os passarinhos que vêm me acordar. Eles pousam no parapeito e ficam cantando até em levantar e enxotá-los. Odeio acordar cedo. Eles insistem que eu deveria sair, tomar um ar. Ora, minha porta dá no nada, tomo ar sempre que abro a porta. Não, na verdade, falta ar. Deve ser o cigarro.

4 comentários:

  1. escreves bem, muy bién.

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  2. Anônimo5:52 PM

    Cara eu gosto do que tu escreve, e gosto dos teus personagens, pelo menos eu acho que sejam personagens, porque até onde eu sei tu não mora no setimo andar, mas deixa pra lá, pode ser um texto de quando tu morava no RG e tals beleza...

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  3. Ai Chico, não vejo a hora de vc chegar aqui pra gnt conversar sobre todas essas insanidades que vc imagina e que acontecem de verdade na minha vida.

    Chega logo!

    =)

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  4. Anônimo9:39 PM

    pecado...deixa os passarinhos...!

    ;]

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