Antes do fosso existia o vício da queda. Há controvérsias quanto a isso, mas eu acredito nessa hipótese. O fato é que todas as discussões não prescindem da existência palpável do fosso. É ela quem gera o debate e faz possível a dúvida.
O pequeno Samir é o exemplo da precedência do vício da queda. Antes mesmo de nascer, em meio a escuridão das vísceras de sua mãe, através delas, ele tudo via. Seu pai era um xeique de um desses países distantes do oriente e durante a noite Samir quase podia ouvir das bocas que se mexiam palavras de traição. Nasceu trazendo consigo a trama de uma grande conspiração.
Cresceu sob a mácula da paranóia, sob os olhos desconfiados de seu pai. A aparência de Samir não o ajudava muito, as olheiras profundas, as unhas longas, o cabelo ralo, poucos não concordariam se tratar de uma criança assustadora. A certa altura, cansado das conspirações inexistentes de Samir, seu pai decidiu puni-lo. Era uma noite de estrelas brilhantes quando os olhos que tudo viam se abriram e focaram nos guardas prestes a abrir a porta do seu quarto. Entraram em silêncio e carregaram o garoto calado para o fosso que seria a sua nova morada.
A queda deveria matá-lo. No entanto, ao aproximar-se do chão, Samir sabia da impossibilidade da morte, ele via além do chão, além das almas dos homens, vivia a sua própria ficção. O baque não foi um baque, sim uma carícia da terra que o recebia de volta ao seu seio. Isolado do resto do mundo, longe de tudo, o garoto agora podia vigiar um outro mundo de luz eterna. De lá, riu da morte natural de seu incrédulo pai, riu de sua própria ignorância. Em meio ao eco da sua loucura, o Tempo, o Sono, a Fome, todos o esqueceram.
Por muito tempo até eu o havia esquecido. Ele mesmo talvez não se lembre mais do seu próprio rosto depois de anos observando solas de sapatos, moedas sobre tapetes, baratas nos bueiros, bitucas de cigarro, todas as coisas, inclusive as desaparecidas. Só viu o fim da sua letargia hoje, quando do meio das imbricadas séries de acontecimentos das quais tentou em vão estabelecer alguma relação, encontrou algo em que poderia interferir e voltar a testar seu poderes.
Agarrou-se a uma pedra invisível atolando seus dedos no musgo. Começou a escalar a parede do fosso que nunca viu – a tela por onde assistia o mundo. Levou dias, ao que tudo indica, para que seu fino braço esverdeado pulasse para fora do vaso sanitário onde, há pouco, Rodolfo começara a mijar. A urina cessou aos poucos e empoçou entre os pés do garoto. Samir sorriu e disse:
“Isso não é lá uma bela recepção.”
Rodolfo tentou manter as bolas no lugar.
“Também não é com muita frequência que um monstro-verde-do-espaço vem a mim através do vaso.” – e sorriu meio nervoso.
“De qualquer jeito, eu não subi até aqui pra discutir a freqüência ou a qualidade das suas visitas.”
“E o que tu quer?”
“Sabe a garota, aquela do telefone? Liga pra ela.”
Rodolfo olhou para baixo pensativo. Ainda segurava seu pau. Só então notou que Samir já havia submergido.
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Episódio aleatório.
hum, meio sem foco à primeira lida.
ResponderExcluirMais tarde leio e comento de novo...estou indo comprar um celular, desculpe.
a presença de orgãos é quase sempre presente né? haha!
ResponderExcluiro post beira um lirismo maroto, interessante. é quase uma fantasia fincada na terra dos incrédulos. interessante.
Você ficaria bravo comigo se eu dissesse que não gostei? Sei lá, tem idéias boas no texto, mas combinadas ficou estranho, ou talvez fosse necessário desenvolvê-lo mais.
ResponderExcluirOu quem sabe a idéia do escrito é ser "atormentado" feito o Samir?
E cadê as mensagens subliminares na última linha do blog?
Chico, vc anda assistindo "O Chamado" demais. Alugue uma comédia, pelo amor de Deus.
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