quarta-feira

O Coração Seco

A primavera imprevisível, o tempo fechado da ilha. Frutas não caem dos postes, o asfalto não tem cheiro de flores. Não há qualquer climinha banal de desenhos animados, de romances, de amores infinitos da estação. Só a morte de cinco baratas que o pequeno Chico mata no caminho para fora do condomínio. Só o tempo fechado predisposto à chuva que não chove, que prefere não molhar a gente. Só a pseudo-solidão do garoto acompanhado por mais uma queridinha, do olhar blasé pro fim da rua.

“Chico, fica comigo?”

“Agora?”

“Não, pra sempre.”

“Não.”

“E agora, agora fica?” – irônica.

Beijou-a porque nada melhor pra fazer, beijou-a pra começar logo com a chuva – nada mais que o sangue destilado de nossos antepassados, do sangue dos bichos de estimação de nossos antepassados, todos afinal eram bichos. Por que tornar essa uma cena romântica? Não era, não há romance no ar úmido de proximidade marinha, do ar salgado. Morava numa ilha, na proto-civilização, morava sobre espingardas enferrujadas.

“Você não me ama.”

“Nunca amei, ou disse que amava.”

“Canalha.” – ela disse com se por dizer. Era um dia calmo, chuvoso e sossegado.

“Olha, não vamos brigar. Não amo você, nem mais ninguém, ok?” – esperava que bastasse.

Mas não basta. Nem pra mim, nem pra qualquer outro. Nem pra você. Então, porque gastar o tempo que já foi? Ela saiu porque nada melhor pra fazer. Foi embora sem dizer um tchau. Levou todos os sonhos e já não havia mais caminho ou volta.

15 comentários:

  1. Depois de algumas conversas com o Rafael, tive que concordar com ele: o amor não existe, é fruto da imaginação. Por favor, não entendam mal. A verdade, pelo menos eu passei a acreditar nisso, é que só existe amar, a ação ou verbo, que como toda ação termina. E não é que isso invalide o casal monogâmico, a família em si, mas inclui de volta nesse círculo de relações amorosas todas as outras que são marginalizadas. Porque se ama, simplesmente, não há qualquer contrato que firme até quando, que corrobore uma relação estável. A gente tem mania de possuir as pessoas, como se o casamento fosse uma nota fiscal.

    Bom, chega disso que comentar no próprio blog é o cúmulo da solidão.

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  2. não é o cumulo da solidao.
    mas comentou algo bem interessante, nao tinha pensado nisso. dizer "eu amo voce" é estar fantasiando talvez.

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  4. os dias chuvosos são os mais tenebrosos...
    "morava sobre espingardas enferrujadas" = gostei muito disso

    E vc se desculpando no próprio coment´rio... tsc tsc

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  5. é, eu também virei as costas por não me amarem. ou melhor, me deram as costas por não me amarem. acho que isso é pior e não melhor!

    texto um tanto quanto, an.. pra pensar?

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  6. isso tudo é muito agridoce...
    não tirem a magia do mundo, por favor.

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  7. franz é o próximo ferreira gullar!
    hauahuahu

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  8. Anônimo4:36 PM

    calma,também nem tudo é assim inexistente e inválido. é bom achar que ama ou perceber um certo amor.
    e eu tbm gosto do muito agridoce. talvez pq eu seja meio bobona pra essas coisas.

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  9. não, não aconteceu. mas poderia.

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  10. Anônimo7:28 PM

    Não só o amor é uma ilusão, porém tudo o que nos rodeia, os sentimentos não passam de desejos cegos que nos tornam mais cegos igual a um cutelo de um açougueiro ou a espada de Quixote, nossa realidade não passa de uma ilusão, e vice versa, ou seja, somos todos projeções construídas por outros, não passamos de fantasmas vagando em um mundo lúdico!

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  11. Anônimo7:29 PM

    ...esqueci de dizer que gostei muito de "O coração seco"...

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  12. Ah Chico, como és dado a reflexões elevadas.

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  13. Anônimo9:59 PM

    Acho que deveríamos ser mal amantes. O bom amante não tem mais surpresas, não tem mais oq descobrir; o bom amante já sabe de tudo, do começo ao fim. O mal amante ainda tem muito oq descobrir e muito a aprender, sempre terá algo novo; talvez ele não ame, talvez porque ele tenha toda a vida pela frente...

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  14. Anônimo12:33 AM

    Tu não aprendeu isso comigo, roubou do Roberto Freire, fala sério... auhauahuahauh. Esta ai um futuro anarquista amoroso. Muito bom, por favor, quando as pessoas fiquerem deprimidas com a tua visão de amor imposta em teus filmes ou livros, entrega pra elas um cartãozinho meu. ;) Bem, mas é como eu digo sempre... "Amei, amo, e continuarei amando, sem saber ainda o que é o amor". Outra hora a gente conversa mais obre isso, acho que tu pego só a parde trágica da história do verbo amar

    Beijos

    Rafa

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  15. Anônimo12:41 AM

    que tu tem contrra a chuva? acabei de notar a estranha relação que fazes com a chuva e o amor. Tem um poema teu, esqueci o nome agora, ta no blog, que falas que "quando o meu olhar cruzar com o teu não haverá mais motivos para a chuva", ou algo assim... Agora, tentas concretizar a realizada atmosférica num beijo rápido. Ahhh, mares, chuvas e solidão. Cenários ideais de todo amor heim.
    Não sei nem porque to postando, fiquei de não conversar mais cuntigo, afinal, eu vo pra floripa tu faz questão de ir pra araranguá porra. Perdeu uma festa pirada.
    Abraços
    Rafa

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