quinta-feira

O Encontro

Duas semanas separam Astolfo do último encontro - conseqüentemente voltou a fumar, e do vermelho (sintam a gravidade). Desce a rua trotando, pisoteando insetos que não vê, estalando os dedos. Acalme-se, não adianta ficar tão nervoso, vai ser legal, descanse as mãos, descanse os pés, não precisa ficar desse jeito. Afinal, vocês já fizeram isso milhares de vezes, já se viram milhares de vezes, e não é a primeira vez que Leila some. Diminua o passo, veja o restaurante, as vitrines, as pessoas, contenha-se, ninguém tem nada a ver com isso.

E ele diminui o passo e o coração, diminui bem apertado; fecha os olhos, comprime-os, pra não desistir. Ao entrar, atinge a porta com o ombro, solta um “merda”. Pronto, todos estão olhando, inclusive Leila. Pelo menos, ela está aqui, mas está diferente. Não usa batom ou tinta nos dedos, não usa óculos escuros, não fuma. Seria difícil reconhecer se não fosse tão natural, se não carregasse algo na expressão tão dela, um algo que não conseguiria esconder nem sob uma máscara de solda. Tofo senta-se.

“Olá, benzinho.” – ela diz naturalmente.

“Por que não tu responde as minhas mensagens? Onde...”

“Tu tá com uma aparência deplorável” – vira-se. “Um cinzeiro, por favor!”

“Eu sinto como se tivesse perdido essas duas últimas semanas girando em torno de algo fútil, porque você não está nem aí, mal sente minha falta. E mesmo assim, não pude deixar de vir aqui. O que tu quer Leila? O que tu tá fazendo comigo? Quero dizer, tu podia sair procurando outra pessoa, afinal, eu vou sobreviver, isso vai passar, então parece que é um capricho, sabe? Parece que tu faz...”

"Entendo, mas tu não vai comer?”

Ele bufa, passa a mão nos cabelos nervoso, então olha pra ela meio que desistindo.

“Que tipo de comida vende nessa birosca?”

“Benzinho, só me dê um cigarro e eu escolho por ti.” – e sorri jocosa.

Astolfo puxa o maço, solta um piparote no fundo e estica para Leila. De repente, não está mais nervoso, ou puto; não, ele nunca esteve puto, pois entendeu o que veio fazer ali. Então no segundo seguinte, a mesa parece ter sido colocada entre os dois de propósito, assim como as cadeiras foram escolhidas por alguém, e os pratos que lavam na pia sabe estarem limpos dentro da medida necessária, pois cada pequeno poro da esponja absorve seu quinhão de água e sabão e tudo é tão exato quanto os decibéis do som de seu isqueiro que se fecha exatamente agora.

Leila traga seu cigarro ainda com os olhos sobre as mãos de Tofo e só libera a fumaça quando tudo volta ao normal.

2 comentários:

  1. primeiro comento: esse conto me prendeu do início ao fim. acho que talvez uma identificação de personalidade.

    agora a resposta: exato. comentei justamente isso sobre aqueles desenhos, que eles tinham volume, massa. pretendo invadir o mundo das cores! uahá!

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  2. nossa!
    teria o bom e velho chico voltado no penúltimo parágrafo?
    Ah, saudade...

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