domingo

Eterno retorno

Há ruas demais e por todo lado gente o bastante, e há tantas escolhas no cardápio que de tanto escolher Leila escolhe o mesmo, sempre. Porque saber o gosto das coisas é seguro e porque segurança dá uma sensação... confortável, vocês devem saber. Mas talvez lá pro fundo do cardápio, escrito numa letra pequena, ou em mágicos arabescos que precisam ser decifrados em um processo moroso e desafiador, esteja o prato no qual todos os sabores sejam contemplados e cada garfada esconda um novo e delicioso segredo. É provável que o maître engasgue ao receber do garçom a notícia do pedido, e num pequeno espaço de tempo apareça com desculpas, sabe como é, ninguém pede isso, não temos todos os ingredientes nesse momento, eu lhe sugeriria o prato do dia, está maravilhoso. E a partir daí ela já sabe que é exatamente esse prato que procurava, e como vocês não podem fazer se está no cardápio, eu quero meu prato agora ou vou falar mal desse bolicho pra todo mundo, pra depois de uma longa discussão ser expulsa do lugar.

Não, ninguém pode saber quando chegou ao prato certo, logo o jeito é continuar procurando.

Agora, agorinha, o que Leila busca repicando o dedo sobre o cardápio só pode ser me irritar, porque já escolheu faz muito tempo, e sabe o que eu sempre como ou pelo menos tem uma idéia do meu gosto. Apoio um cotovelo na mesa e espero olhando pra fora, pela vidraça, onde senhoras empurram carrinhos de bebê, catadores empurram seus carrinhos de papelão, e um mendigo escarra na sarjeta. A fome arrefece, uma acidez invade meu estômago e eu penso logo num copo de leite com algumas bolachas. Leila levanta sua unha limpa para chamar o garçom, que demora mas vem, meio afoito, puxa um caderninho e olha ansioso.

“Duas cocas, por favor.” – ela diz.

“Já pede a comida.” – reclamo.

“Não escolhi ainda.” – balança a cabeça.

Porra, agora ele já foi.

“Leila, meu bem, posso ver o cardápio?”

“Que tal comer em um outro lugar? Agora senti vontade de comer um lanche.”

“Conheço um lugar...”

“Garçom! Cancela a coca.”

“... que fica aqui perto. Podemos comer um xis lá.”

“Prefiro um pastel.”

“Então escolha de uma vez, que tô ficando com fome.”

5 comentários:

  1. Sempre a procura de algo, o esquema da procura parece ser melhor do que a escolha feita e fechada. Olha, um conto com moral.

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  2. "E foi só após o terceiro bolinho quando ele se perguntou: quem, afinal, leria essa bosta?"


    _Eu leio sempre !!!
    Apenas não comento !!!
    E discordo quando você classifica como bosta !!

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  3. leila pinta as unhas de café, que eu sei.

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  4. ok, então a efemeridade toda é de responsabilidade do maitre, que nunca tem todos os ingredientes quando, enfim, a gente acerta a escolha???

    E tu ja experimentou cozinhar em casa???

    Gostei sim, pode continuar! tststs

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