segunda-feira

Priscila

Beijei-a como quem beija um tubo, um cano, uma laranja. Já não sinto mais nada, nem por ela, nem por mim. Onde foi que eu deixei meu amor próprio? Onde, meu Deus, quando eu deixei de amar? Priscila há muito tempo deixou de ser especial, banalizou-se completamente com o passar do tempo pra se tornar esse tubo que beijo com tanto ardor agora, me agarrando nela como se nas lembranças de quando eu ainda me sentia bem.

Finjo querer estar com ela aqui, finjo bem. Mas, na verdade, planejo como sair sem parecer grosso ou idiota. No final, não quero magoá-la, sempre fui um covarde. Eu não vou voltar, nunca mais, vou virar as costas e sair pra não ter que olhar na cara dela de novo.

“Tu tá estranho.”

“Senti saudade, tu demorou lá.”

“Era um congresso, demorei o que tinha que demorar. Mas também senti saudade.”

Mentira, ela não sentiu, dá pra ver. É melhor que não sinta. Olho pro lado pra não ter que continuar encarando. Eu devo ser muito volúvel.

Por que ela simplesmente não some?

“Tu continua estranho.”

Outro beijo. Cala a boca, Priscila, cala a boca e me beija. Vou procurar com a língua algo que tinha aí, devia estar entre as tuas amídalas. Eu costumava gostar de curtir assim, de beijar alguém por beijar, devia ser algo nas amídalas das pessoas. Mas as amídalas de Priscila secaram num congresso do outro lado do país, eu já não posso encontrar mais nada.

“Nossa, isso sim parece saudade. Vamos lá comer alguma coisa?”

“Tô sem fome. Priscila, querida, vou ter que ir pra casa, preciso terminar meus trabalhos, tu sabe.”

“Vamos, a gente come uma coisinha e tu pode ir pra casa pra te enfurnar no teu computador.”

“Sério, deixei um monte de coisa pra te encontrar aqui, agora eu preciso voltar.”

“Pô, só mais um tempinho! A gente não se vê já faz duas semanas!”

“Eu não te amo, Priscila.”

“Hahaha, seu idiota. Vamos lá.”

“O que tu quer comer?”

“Pode ser um cachorro quente.”

“Tá, mas tu paga a coca.”

3 comentários:

  1. Abra um buraco e brinque com as sementes.

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  2. literatura e mulher.
    bom bom. bene

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  3. Anônimo11:38 PM

    Senti o frio desse cara, mas to percebendo que ele também tah um tanto sem escolha. "Se pá" ele naum deve ter mais ninguem pra quem correr se deixar a guria, ou entaum estah com muita dó dela...

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