Eva, ironicamente, foi o nome da minha primeira mulher. Amamo-nos sobre seu leito matrimonial ao som de um cabeceante ventilador que negava tudo. Ela traía seu marido como quem cozinhava bolinhos; eu, por minha vez, me lambuzava. Muitas vezes mais a comi naquela cama, depois no tapete, então migramos para a sala, cozinha, um tour. No fim, cansamo-nos um da cara do outro e eu fugi numa noite estrelada sem qualquer lágrima no rosto porque não queria ver Eva fritar-me na cama com outro.
Depois disso, muitas vezes procurei no rosto de outras mulheres um que não fosse o dela, mas todas elas eram feitas de espelhos que refletiam minhas próprias memórias. Eva tinha o cheiro das outras e elas reciprocamente tinham o dela; Eva tinha o bafo das outras e elas reciprocamente e assim por diante até que vomitei numa delas para desfigurar-lhe o rosto, para inundá-la das minhas impurezas mais íntimas pois eu tinha a certeza de que esse não seria um cheiro parecido com o de Eva. Mas era.
Concluí que Eva fora para mim algo como uma marca, um cancro que coçaria eternamente nas minhas costas num lugar onde eu nunca poderia alcançar e que só curaria quando eu arrancasse aquela carne putrefata que a marca havia se tornado. Mas não haviam facas feitas dessa matéria de que são feitos os sentimentos então decidi que só algo cortante como um novo, insano amor seria capaz de expurgar de mim essa ranço. Como me apaixonaria assim, deliberadamente?
Não havia uma grande resposta para essa que talvez seja uma das grandes perguntas perguntadas por aí por pessoas assim tão desatinadas. Então, vaguei por uma cidade meio fedorenta até encontrar no meio de uma pequena viela uma preta gata desconfiada de grandes olhos de vidro por quem fortuitamente me apaixonei instantaneamente. Ela não correu, nem mesmo pestanejou enquanto eu me aproximava determinado a desvirginá-la fosse qual fosse o tamanho de seu sexo. Toquei-a com o sangue borbulhando só para descobrir a face mais cruel dos meus desejos íntimos; a preta gata não passava de um animal empalhado abandonado no meio da rua. Qual sorte de demente empalharia um animal tão ordinário quanto uma preta gata de brilhantes olhos de vidro tão lascívos, tão hipnotizadores?
Uma garota que se mantinha incógnita na densa escuridão da viela se dirigiu à mim: "Você, seu animal imundo, seu cão abandonado, você certamente apaixonou-se por Eva e agora procura na face de outras mulheres uma que não vá lhe parecer a primeira. Eu sei disso porque todos vocês, bichos do esgoto, procuram nessa viela o reflexo dos olhos da minha preta gata empalhada onde na verdade só encontram sua própria imagem. Essa libertina sabe muito bem como lhes agradar pois ela carrega nos olhos o brilho de que é feito esse mesmo brilho que ilumina os olhos dessa gata na escuridão mais densa que pude encontrar. Eu realmente espero que você apodreça e morra na frente de um espelho de banheiro batendo uma punheta infinita que leve teus ovos a secarem, assim como à tua alma."
Cai num abismo feito de paredes de vidro e enquanto caia tentei fazer a melhor careta de susto possível. Essa insanidade deve ter durado algumas horas, mas, no fim, eu já sabia o que devia fazer. Acordei na frente da casa de Eva, mas ela não deve ter gostado muito no momento em que invadi sua cozinha enquanto ela fritava bolinhos. Seu sangue esguichou alto quando arranquei-lhe os olhos com uma daquelas facas de serrinha e aqueles gritos ainda ecoam por aí. Eva chorava mesmo sem ter olhos, eu não sei como. Engoli-os e só então pude dormir.
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