quinta-feira

Dixit Dominus

"Julgará entre os gentios; tudo encherá de corpos mortos; ferirá os cabeças de muitos países."

Salmo 110


Esticou os dedos da mão com tal força que estalaram. Alongou um pouco o pescoço, deu dois pulinhos. Jonas, ao chão, vertia o sangue das gengivas sobre o meio fio. Davi cuspiu:

"Levanta."

Trocaram socos. A mesma confusão que sempre é: punhos zunindo, baques abafados, choques, arquejos, grunhidos e palavrões. Jonas acertou o queixo de Davi que, não tão macho, cambaleou pra trás. No segundo seguinte, tatuava a sola na cara dele. Estava por cima agora.

"Levanta!"

As roupas enfunavam nas janelas dos prédios. Davi sentia gosto de ferrugem e o maxilar latejando. Viu o sol inflar por trás de Jonas e aquecê-lo. Levantou ainda tonto.

"Filho da puta."

Agarrou um soco, espalmou a outra mão atrás do pescoço de Jonas e enfiou o joelho no nariz dele, rompendo a cartilagem e várias veias que viriam a formar um hematoma horrendo. Momentos antes de desmaiar, Jonas viu padrões venosos mesclarem-se ao fundo avermelhado de suas pálpebras. Uma senhora apavorada atravessou a rua. Davi limpou o sangue do nariz, virou as costas e atravessou o portão.


...

Como o tiro que segue o tilintar de esporas e o silêncio do deserto cortado pelo repicar das notas de um piano, é possível reconhecer os salpicos coagulados da camisa branca de Davi, a agressividade como abre a geladeira, o espocar da tampa do jarro de água, e perceber uma certa articulação nas coisas. Tudo que o garoto fez foi catar o celular do chão e sair correndo.

"Alô? Sarmento? 155 aqui na frente de casa. Vem recolher o meliante."

"Porra, Davi, tu tá fora cara! Entendeu?"

"Só manda uma viatura, vai."

"Tá, mas vê se pára com isso."

"Manda um beijo pra Clara. Tchau."

"Tchau."

Vai até o armário e pega a algema.

...

Acende um cigarro. Está ficando velho rápido demais. Foi empurrado pra aposentadoria por um acidente de trabalho, uma falha no seu revólver arrancou o dedão dois anos atrás. É difícil cortar as unhas agora. Sente falta de uma arma na cintura, uma tonfa que seja. Teria derrubado Jonas no primeiro golpe se tivesse uma. Talvez devesse arranjar um trabalho comunitário, ou voltar a freqüentar a academia de boxe. Muito tempo livre. Jonas acorda.

"Vacilão."

"Não enche."

"Tu tá fumando, não tá?"

"Nada a ver."

"Pra que era então?"

"Pra mim."

"Seu idiota."

"Qual é?"

Davi abre a algema.

"Some da minha frente antes que a viatura chegue."

"Valeu."

"Seu idiota."

Eles iam meter um 12 no garoto, de qualquer jeito.

...

"Ué, cadê o meliante?"

"Era o Jonas. Fugiu enquanto eu ligava."

"Admite, tu só ligou porque tá com saudade."

"Entra, vamos tomar uma cerveja."

"O que era?"

"Um celular."

"Pff... vacilão."

Um cachorro latiu longe e, então, já amainava o calor da tarde.

2 comentários:

  1. Foda!
    S'eu fosse tua professora de redação, te dava um 10 e uma estrelinha de bom menino!

    clap clap clap

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