domingo

Balada Paulistana

So, what do you have to offer?

A inglesa coloca em termos práticos a dinâmica da paquera e, de quebra, me coloca na sinuca de bico. De memória, a minha imagem refletida num espelho não é lá um informe publicitário, imaginem num copo de cerveja. Também não é difícil afirmar que o inglês prejudica consideravelmente minha eloquência, então apelei pro sentimental, não sem certo receio.

A piece of love?

Ela riu, é claro. Pensando bem, não foi uma risada maldosa, talvez ela tenha levado como piada. Em geral, as pessoas não consideram que tudo possa se resumir a isso, que dentro da continuidade possa se divisar momentos bons dos quais constituimos nossa memória e daí a teoria da homeopatia amorosa, algo como o amor anti-épico, ou cotidiano. Ao mesmo tempo, não tenho certeza se com isso acabo perdendo algo de grandioso e extremamente bonito, uma vida que se imagina há tanto e se perde homogeneizada pela simples existência. Ou pode ser exatamente isso, só que se anda tão insensível e, bom, ela respondeu.

Seems more like a piece o'meat.

Filha da puta.

What?

Just thinking out loud. And if it's made o'meat?

It doesn't sounds good enought for me.

Dou as costas. Não perca tempo, não incomode as pessoas além da conta, seja educado, supere a decepção, mais uma cerveja e o ar frio de São Paulo. Caio junto com a temperatura em um misto de frustração e asfalto. Alice só vai tocar o chão depois de uma queda lenta, enfadonha, e cá no fundo eu espero. Quando você vai chegar, meu bem, quando volta? Um dia todos nós fomos crianças, morríamos de medo da rainha de copas, mas agora parece que você não vem mais, que o mundo das maravilhas ficou pra trás muito fundo na toca do coelho.

Nem era tão bonito, nosso mundo, ou tão pequeno, não era exclusivo ou permanente. Eu vou parar de sonhar, vou sair da toca a procura de você, Alice-querida, Alice-de-ontem, éramos dois desencontrados onde não havia inglesas e frio, na terra das criaturas falantes. Quando elas se calaram? Não, chega, paremos de sentir saudades, paremos com aquela velha poesia, cesse a velha mentira, a velha idealização, porque eu cansei da minha covardia. Venha e ponha seus pés no chão.

Excuse me, I didn't mean to be rude.

Oh, that's ok. I'm fine.

Do you wanna go back inside?

Ah, eu poderia viver de remorso e piedade.

What?

Just thinking out loud.


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Olhando nos prospectos do meu contador descobri um pessoal completamente desconhecido que visita esse blog. Como eu achei que só os chegados me visitassem, fiquei um pouco espantado. Tinha gente até de Portugal entrando nessa bagaça! Ainda tô pensando num jeito de disponibilizar uma via direta de comunicação pra galerinha tímida, mas fica aqui registrado que me agradaria conhecer essa intelectualidade sarada que não cansa de se informar.

Abraços

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Só atualizando porque ela respondeu:

http://thephant21.blogspot.com/2007/05/acordei-com-o-telefone-berrando-em.html

O que eu tinha escrito:

http://opessimo.blogspot.com/2007/04/tribunal.html

quarta-feira

Manifesto

Eu sonho os sonhos empilhados dos milhares de anos, das vidas empilhadas dos milhares de sonhos que todos nós já pudemos sonhar. São todas as mesmas imagens imaginadas daquilo idealizado pela imaginação dos milhares. Há, sim, algo de bom e reconfortante nisso e há, sim, algo de recorrente na refusa desses mesmos sonhos. Resta a constante de sonhar, de querer sempre algo mais, sempre algo além, sempre o próximo passo descompassado do caminhar. Onde mora o meio-termo, ou o célere, ou a carne faz muito perdida; onde todos eles moram é lá que nunca vamos chegar. Mas corra, meu bem, corra, porque é melhor do que ficar parado. Quem pára morre, quem pára apodrece e apoderecer dói, como dói, muito mais comparado ao caminhar. E não esqueça, por favor, sob hipótese algum, há sempre um novo caminho na mata fechada, difícil de atravessar, ele vale o tanto da tua curiosidade.

sexta-feira

Bukowskianas

O segredo de não terminar um namoro é não começá-lo.

Aliás, o segredo de não se apaixonar é não idealizar as pessoas mantendo em mente a miséria da condição humana. É sempre saber, sempre manter-se consciente, de que todas elas cagam, invariavelmente, meu amigo, todas cagam. Olhar praquela cocotinha e imaginar o borrão. Por mais bem feito que seja, por mais elegantemente, o ato de cagar é estéticamente distópico, no máximo engraçado.

Tive um insight dia desses. Caguei o mais harmoniosamente possível, mantendo a classe, mas ao olhar pro lado recebi o baque da desolação: no paper. Revirei tudo, não tinha nada. Guardei meu espírito intato e parei de olhar pras minhas meias porque essa não era a hora de ser punk. Subi as calças, afivelei o cinto com desgosto, e meti pra rua. Fui comprar o papel já cagado, caminhando como o caubói da Marlboro, segurando as nádegas bem juntas. No desespero, agarrei o maior pacote que encontrei e, no caixa, fiz graça pedindo um maço, mas tava na cara. Ao chegar em casa, alguém ocupava o box cantarolando Maybelline.

Maybelline, why can't you be true?
Oh,
Maybelline, why can't you be true?
You've started back doing things that you used to do

Sentei e chorei a miséria da condição humana.