sábado

Um tal Geraldo


“Sapatênis de vinil
Bolsinha baguete
Luvinha de pelica
Você não me esquece
Lesbian Chic
Sapacaxa do agreste
Superafim
Superafim
Superafim de mim”

Geraldo não vê sentido algum na letra. Com 56 anos, um metro e sessenta e dois, obeso e calvo, ele não consegue entender a moral de bandas como Cansei de Ser Sexy. É em momentos como esse que ele agradece a Deus por não ter filhos, por não ter qualquer ligação com essa geração maluca da conectividade, da interatividade, da (des)informação.

A boate ressoa, brilha, e vibra, maravilhada com a sensação orgasmática da juventude. Do canto escuro do bar, Geraldo está completamente enojado. Não devia ter vindo, não precisava aparecer aqui, logo num lugar desses. Ele espera por Clara, uma putinha drogada que ele conheceu fazendo bicos como gigolô. Para incrementar sua renda, além de atuar como gigolô, Geraldo trafica maconha, cocaína, e, agora, ecstasy, para as putas que conhece. O princípio ativo do ecstasy é o MDMA (metil-dimetoxi-metanfetamina), que estimula a produção de serotonina, substância responsável pela sensação de prazer. Dos bagulhos que trafica, é o único que experimentou.

Foi quando quis comer Clara. Ela disse que até dava, mas ele tinha que tomar ecstasy com ela. Clara é uma junkie safada que gosta de sentir-se como um veículo da corrupção. Na sua concepção, quando mais a vida passa, mais se torna uma merda. É nesse ciclo de desilusão que ela acredita. Geraldo, que já foi professor do Colégio de Aplicação, prefere cortar fora a filosofia e partir pra ação. Desde quando se lembra, ele é compulsivo sexual, mas o problema só veio mesmo à tona quando deixou de ter escrúpulos.

Acende um cigarro, bebe mais um gole de cerveja. Clara se aproxima com uma amiga. Por um segundo, a sorte de Geraldo parece ter mudado.

“Clara, tu demoraste.”

“Não me chama de Clara, tu sabe muito bem que mudei meu nome. Essa é Roxanne, minha namorada. Vê um E aí.”

Geraldo cogita a possibilidade de seu coração falhar porque acha que não pode dar conta das duas. Mas, que droga!, vai tentar de qualquer maneira.

“Toma aí. Será que nós não pod...”

Ele não tem oportunidade de terminar a frase. Clara pega rapidamente a pílula e cai fora dali. Por um momento, Geraldo se vê pego de surpresa. Rapidamente, então, suas artérias inflamam de raiva e ele crispa involuntariamente a mão direita, como que para socar a imagem de Clara inda impressa em sua retina.

Ao dar o primeiro passo, no entanto, Geraldo sente uma dor irradiar-se do peito para a mandíbula e para seu braço esquerdo. Cai de joelhos tentando respirar. Sente como se o peito fosse de chumbo e se apóia no chão.

Horas depois, Geraldo acorda no HPS crivado de aparelhos.

Três dias depois, as amigas de Clara a encontram morta num banheiro. Elas não sabem qual a diferença entre uma overdose e um envenenamento.

sexta-feira

Relatos Cotidianos

Eu, depois de um ano de cobiça intensa e invejosa, comprei um mp3 player. Quando acordei hoje, escovei os dentes escutando mp3, fui pro cursinho escutando mp3, voltei pra casa escutando mp3.

Acabou a pilha.

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Porra do caralho!? Caiu granizo em Porto Alegre hoje! A Indepedência tá inundando!

Pior! Minha sacada tá inundando!

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Pensei numa história do Amante hoje (meu amigo, nome Rodrigo Amante). Começa assim:

As pessoas parecem enlouquecer no carnaval. Gera-se uma repentina comoção e rapidamente todo mundo parece ter o mesmo objetivo. Não poderia ser diferente com a figura do meu lado, Rodrigo Amante, caçador voraz da noite catarinense, e, porque não, Porto Alegrense. Apesar de bêbado, guarda aquele brio nos olhos. Ele não costuma perder tempo trovando gurias, mas acho que vai abrir uma exceção. Fico só ouvindo:

"Oi, tem namorado?"

Ela se faz, mas nós sabemos muito bem porque se vai a bailes de carnaval. Amante não desiste fácil, então ela finalmente responde.

"Não."

Parece desinteressada; meu amigo, no entanto, vê além dos olhos baços dela.

"Não precisa mais procurar então."

"Quem disse que eu quero namorar contigo?"

Já era.

"Depois de tudo que nós tivemos?"

"Tudo o quê? Tá maluco?"

"Esse momento lindo! Acho que eu tô apaixonado!"

Ele solta aquele risinho sarcástico de conquistador latino, aquele no cantinho da boca. Ela finalmente entende o sarcasmo dele e sorri. Definitivamente, já era.

Carnaval é assim. Nem precisa ser muito criativo.

*Todos os acontecimentos citados no continho são meramente ficcionais.

** Nenhum esquilo foi ferido durante a chuva de granizo.