quinta-feira

Psicopata Paraguaio

Diego Mercedez Sosa, típico paraguaio habitante da quente, e úmida, Assunção. Pratica esportes todos os dias pela manhã, às cinco; alimenta-se só das comidinhas saudáveis que "su mama" prepara com tanto carinho; estuda na universidade localizada perto de sua casa; e, todas as sextas, tenta matar alguém. Digo tenta porque, até hoje, não teve grande sucesso. Começou tentando atropelar um pequeno cachorro - não chega a ser alguém, mas algo, e de qualquer forma, vivo. Essa, eu devo dizer, foi uma história um tanto quanto curiosa.
Diego, que agora passo a chamar de Dieguito, dirigia no caminho de volta à sua bela casa quando deparou-se com um magnífico exemplar de vira-lata dando sopa na calçada. O pobre cachorro dormia inocentemente e mal sabia do animal inconsequente que tencionava matá-lo. Dieguito molhou seus lábios e parou o carro. Olhou no retrovisor, pros lados, nos bolsos e no porta luvas, mas não achou ninguém. Estava há uns bons 15 metros do cachorro. Acelerou o carro que disparou em direção à calçada; mas, chegando nela, o impacto da roda com o meio fio jogou-o pra cima. Dieguito não sabia; seu carro voava.
E voou contra o poste de luz, logo ali. A lâmpada do poste estourou, o estrondo se fez ouvir há seis quarteirões; o seguro, mais tarde, declarou perda total. Perda mesmo foi a de Dieguito: três dentes e 20% da visão do olho esquerdo. Com dedão deslocado, ele abriu a porta do seu destruído carro e rolou pra fora. O vira-lata rosnou e latiu. Dieguito tremeu e disse: "No, no!!". Foram necessários três vizinhos e uma vara para separar o cão do pobre Dieguito. Ao chegar em casa, "mama" somente lhe disse: "Coma teus aspargos Dido, estão esfriando!", com um sorriso ternurinha estampado no rosto.
Como já havia dito, essa foi a sorte de Dido "até hoje". Logo, hoje foi um dia diferente na vida atribulada dele. Contemos desde o princípio:
Dieguito passava pela ânsia assassina de todas as sextas. Havia estado o dia todo na universidade a procura de uma vítima fácil. Lá pelas seis, já quase desistindo, Dieguito decidiu sentar-se no bar do Bigode - e note, é uma verdade universal que, próximo a toda universidade, tem um bar chamado genericamente de "do Bigode"- e tomar umas cervejas pra relaxar. Do outro lado da rua, Rosário carregava sua pasta timidamente. Daremos uma boa olhada nela.
Rosarito, assim como é chamada em sua casa, é uma garota humilde que mora na periferia de Assunção. Depois de muito penar no ensino médio por causa dos óculos ridiculamente grandes que sua mãe lhe impunha, ela conseguiu entrar na universidade. Numa análise mais profunda, não sei dissociar se Rosarito teria tornado-se uma intelectual por causa da exclusão sofrida no colégio, ou se sofrera exclusão por ser intelectual. O fato é que os anos trouxeram bonança, novas ambições, e a pequena intelectual tornou-se uma jovem viçosa.
E é nisso que Dieguito repara ao olhar para o outro lado da rua. Ele conhece Rosarito, a quem simplesmente chama Rosita, e nota que ela dirige-se à parada. Sem pensar muito, como já é de praxe, ele corre até ela e os dois tem um conversa rápida. Rosita fica toda contente com a proposta de carona que acaba de receber. Dieguito começa a pensar na arma do crime.
Ele dirige para uma estrada meio vazia nas redondezas da cidade. Rosita não reclama, não fala nada, e Dieguito desconfia até que:
"Diego, já pode parar. Eu sei muito bem o que tu quer."
"Rosita, não é bem isso que tu está pensando. Eu não quero te machucar, quer dizer, não quero... Ah, Rosita... me ajude!"
Dieguito tenta ganhar tempo enquanto desatarraxa o extintor embaixo do seu banco. Ele disfarça encostando a cabeça no volante.
"Já faz algum tempo, Rosita, eu tenho te observado na universidade. Acho que nós temos várias coisas em comum, sempre gosto de conversar com você, eu, ãhn... eu... [maldito extintor] "
"Oh, não fale mais nada Dieguito!"
Ela avança com a fúria dos seus anos perdidos. Ele tenta se defender, mas oh!, como é forte Rosita. Ela o agarra e beija; um daqueles beijos sorvidos, lambidos, mordidos, enfim, esfomeados. Dieguito perde o ar e num golpe é lançado para o banco traseiro. Longe do extintor, ele não vê saída senão defender-se com as próprias mãos. Dá um tapa em Rosita, na cara.
"Isso, me bate safado!"
Rosita fica ainda mais voraz. Dieguito agarra-se nos bancos enquanto ela usufrui do seu corpo. Depois de algumas horas, mal consegue mover-se. Tem suas pernas dormentes, suas costas completamente arranhadas, seu rosto latejante. Ela fuma um cigarro enquanto observa-o. Ele tenta sorrir, mas sua cara dói.
"Vou levá-lo pra casa meu amor, não se preocupe."
Ela dirige o carro de Dieguito até sua casa, o deixa, e vai embora a pé com um sorriso de satisfação no rosto. Ele, depois do breve descanso, consegue finalmente levantar-se e vai até a porta. Sua mãe, morta de fome esperando na cozinha para jantar, ouve um barulho e corre para receber o filho. A coincidência a seguir deve-se a pura irônia do destino. Dieguito põe a mão na maçaneta e abre a porta impaciente, num rompante, direto no nariz de "mama". Ela, desestabilizada, tropeça por alguns metros e cai de cabeça na quina da mesa do hall de entrada. É o fim. O sangue espalha-se pelo carpete. Diego olha atônito para sua primeira vítima enquanto conclui que, definitivamente, não gosta do cheiro de sangue.

segunda-feira

O Amor

Foi com 6 anos de idade que o pequeno Chico descobriu o amor. Ganhara um CCE - caso tu não tenha notado, falo de um videogame -, e daquele dia em diante não se separaria mais dele. Pode parecer exagero, pode parecer até uma indecência dizer algo desse tipo, mas Chiquinho não se confundia sobre o que sentia, era amor. Não assistiria mais heróis conquistando mundos e fazendo todas essas coisas de herói, seria o herói. Correria o enduro, pilotaria um avião acima de um rio abarrotado de inimigos, desbravaria florestas infestadas de feras. A era da passividade televisiva acabara. Ele tinha todo o poder do mundo naquela caixa preta.
O amor o transformou num megalômano. Mas como todo amor, acabou. O pequeno Chico descobriu que o enduro não tinha final. Assim como a maioria dos jogos que, no fim, tornaram-se enfadonhos. Não haviam mais ilusões, Chiquinho agora era um pequeno garoto cinza e triste. Precisava apaixonar-se novamente. Refletiu por muito tempo e chegou a conclusão que a única pessoa em quem podia confiar seus sentimentos mais puros, mais viscerais, era ele mesmo. Aos 6 anos e meio, tornou-se um hedonista. Empanturrava-se de chocolate num ritual de prazer infantil, máximo e sem culpa; chafurdava na lama ao jogar bola, dominando-a pelo máximo de tempo; regalava a si próprio as gotas de chuva, a lua, o sol, a rua; era novamente o dono de tudo. Cresceu assim, apaixonado por sua simples visão, mas os hormônios não tardavam.
E quando chegou a hora, foi uma explosão. Renata tinha nos olhos a promessa do desconhecido, o brilho ébrio do amor adolescente. Chico traíra a única pessoa em quem confiava: a si mesmo. Entregou seu coração partido e apaixonado para ela, cegara-se a todas as outras. Recitou um poeminha, aproximou-se com aquele olhar de cachorro pidão, pegou na mão dela e beijou Renata, beijou-a com fogo que consumira seu hedonismo. E pegou na bunda dela. Indignada, ela esbofeteteou o recém-canalha Chico, e foi embora. Mais uma paixão da tortuosa vida do nosso herói acabara em tragédia.
Dessa vez, algo havia mudado. Chico voltou pra sua casa, olhou para seu velho CCE que continuava na estante, ajoelhou, e disse:
"Sabe querida, desde a nossa última separação, a vida não tem dado certo pra mim. Tu era o meu apoio, e quando agente se separou, eu me perdi. Mas agora eu voltei, voltei pra gente ser feliz, voltei porque eu ainda te amo e nunca mais vou te deixar. Me deixa ser seu denovo, deixa vai..."
Tentou ligar o CCE. Não pegou, havia queimado. Chico chorou como aquele garotinho de 6 anos, sentou na mesa da sala e decidiu que, daquele dia em diante, seria escritor.

domingo

O Blog

No meio de tanta gente interessante, o garoto olha para os pés e se vê abaixo deles. Ele talvez ainda seja muito pequeno para perceber certos nuances, talvez não tenha uma idéia muito boa do que faz por aqui. É um pessismista e, mal abriu a porta, já quer fechar. Que tal tomar um ar? Apresente-se.
Nascido num dia assim, qualquer, logo fizeram um feriado. Dia 15 de novembro, Proclamação da República. Um tal de Deodoro da Fonseca, putíssimo da cara com o imperador, foi lá e mandou-o devolta pra Portugal. Noventa e cinco anos depois, ele nascia com essa idéia besta na cabeça, fizeram-no um feriado. Mas vamos nos organizar; Deodoro pode até ter vindo antes, mas Francisco é muito mais importante. Ele escreve; agora até tem um blog.
Escreve assim, intransitivo. Francisco, ou melhor, Chico é sumário. Escreve, come, dorme, suspira, mija, respira e até agora não sabia bem porquê. Mas hoje ele torce e distorce sua vida nas linhas do recém inaugurado "o pessimista", péssimo quanto a verossimilhança, mas até que bem escritinho. Quem se importa com a verdade, não é mesmo? Caso você tenha algo contra, feche a porta.

Errata: Dom Pedro II foi para a França, não Portugal.