terça-feira

A garota e o armário


Quando vi aqueles dois com o armário, pensei que lá vinha uma das velhas cantadas, daquelas nojentinhas dos trabalhadores braçais. Mas, ao contrário de tudo, me perguntaram se eu gostaria de conhecer o armário que carregavam.

“Como se pode conhecer um armário?”

“É verdade, não é simples. Você deve se aproximar com cuidado, calada e com calma, pois armários são muito arredios e se fecham com facilidade. Então diga seu nome, mas ainda não o toque, diga seu nome em voz baixa e espere pela pergunta, que ela logo vem, eles não se agüentam, logo vem. Esse momento é maravilhoso e singelo, pois do meio da massa de madeira pode-se escutar claramente: “ãhn?” Ele finalmente se abriu, e agora você vai fazer perguntas e ele vai responder, com sinceridade, muita, porque não há nada mais sincero que um armário. Exceto, talvez, por alguns bidês.”

“Você é completamente maluco.” – e saí dali.

Não olhei pra trás. Algum tempo depois essas palavras voltaram a minha cabeça como um trem descontrolado e cravaram por dentro nos meus ouvidos. Talvez houvesse algo de cósmico-enérgico-plurialgo nos armários que confirmasse essa teoria, talvez eles até mesmo falassem.

Talvez olhassem.

Paguei meu café e voltei pra casa encucada.



E passei a me trocar de luz apagada.

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Exercício de Narrativa Cinematográfica.