segunda-feira

A história do cara oco.

Enoch, o assassino perfeito, fulmina vitimas com o olhar. Corre na escuridão, em silêncio, cada passo sugere uma uma perturbação inexistente. Enoch, capaz de desaparecer, de deixar de existir, de corroer a lembrança, de apagar o passado... não, de obliterar o passado, de cegá-lo, de desaparecer na imensidão que é o passado. Um assassino que não existe, cuja ausência incandescente esvazia o corpo e consome todos os orgãos internos e cujo o gesto invisível nos tange a alma no oscuro da noite. Enoch, o amante perfeito.

"Atravesse insone a madrugada, atravesse com voracidade, engula a noite."

 Bebamos.

"O vazio não existe." - digo ao assassino. "A noite é a pretensão do vazio, a permissividade de uma ausência que não existe, pois tudo aí está. Eu vejo casas, eu vejo carros e ruas e hidrantes, cancelas, garrafas, todas vazias e tudo aí está. Todos os homens deitados, todas as folhas empilhadas e assinadas, tudo submetido a voragem do mundo, o grande moedor, tudo épico. O vazio não existe."

Enoch ri.

"Hoje eu matei um homem. Entrei em sua casa e o arremessei pelo beiral. Estrangulei suas tripas."

"Hoje?"

"Faz pouco tempo. Corria solto nos parques como um cachorro. Se debatia ao volante, queria mais. Não sabia o quê. Era forte, tinha um metro e noventa. Matei um homem hoje, e agora preciso beber."

Enoch, o amante perfeito, cujas mãos invisíveis agarram tripas.

"Esse homem é a prova do vazio, sofria do vazio. Carregava na casca a dor de ser oco, a dor do vácuo sugando tudo, da estrela que se apaga e colapsa para dentro. Eu o matei e ele implodiu."

Enoch, a baleia dos meus sonhos, a massa e o inverso dela, para onde todos olham quando os olhos atravessam o mundo.

Bebamos.

2 comentários:

  1. Ou: "Impressões de quando eu chego em casa e o piratebay tá fora do ar".

    ResponderExcluir
  2. Ora, bolas, onde está a versão em prosa de "Três dias no gulag"?

    ResponderExcluir