Natália, de tanto comer fósforos, tinha a boca inflamável. Assim, a primeira faísca a fazia queimar uma chama laranja e amarelo; era tão súbito e maravilhoso quanto fogos-de-artifício. Também por conta desse hábito sua boca se tornou fosforescente e podia-se rastreá-la facilmente em qualquer um dos lugares decadentes que freqüentava na noite paulistana, de forma que mantinha sempre à mão um isqueiro com o qual estava pronta pra incendiar qualquer desavisado.
Curioso com o fato, fui levado a pesquisar as propriedades do elemento. Me chamou a atenção que o fósforo está presente tanto em fertilizantes como em pastas-de-dente. Não pretendo entrar em detalhes escatológicos, mas são evidentes as dialéticas sujeira/vida e limpeza/esterilidade denunciadas pelos seus derivados, o que desemboca numa estética meio junkie aprazível a nossa “heroína”; logo, considero que – além de fisicamente – a garota foi também afetada psicologicamente pelo hábito. Que tu acha, Natália?
“Bobagem.” – e lambe o piercing labial.
“Assim tu me desestimula.”
“Quer saber, chega dessa conversa mole, desse blá-blá-blá, vai pagar ou não vai?”
Por conta de suas habilidades, todas as quintas, quartas e “quem-sabe” segundas ela trabalha queimando credores de um tal Bob D., mas só os que não pagam. Eu devia a um cara chamado Little Nose Moe, ou “Caesar Salad” Moe, até Bob aposentá-lo. Acaba que hoje é segunda e já nasceu nublado.
“Antes de me queimar, a gente podia jantar. Que tal?”
“Isso não vai livrar a tua cara.” – puxa o isqueiro.
“Não. Vai encher nossa barriga.”
“Que cê tem aí?”
“Pipoca, nuggets e três... não, quatro 7 belo.”
“Sobremesa?!”
“Sim, sobremesa.”
Nunca imaginei que 20 centavos pudessem me valer mais 30 minutos de vida, ou que, após sua experiência com os não-metais, Natália tivesse partido para algo mais doce. Decidimos pelo nuggets como prato principal. Giro o botão do forno, mas não acendo. Sento do outro lado da mesa e nos olhamos por uns minutos.
“Que tal um molho pra acompanhar?” – pergunto.
“Ketchup?”
“Esperava ervas finas?”
“Pra quem não trabalha, tem bastante coisa dentro desse apartamento.”
“Nada aqui foi comprado.”
“Cê é pequeno, não devia se meter com Bob.”
“Ele que se meteu comigo. De outra maneira, tu não estaria aqui.”
“Sorte sua, então.”
Puxo um cigarro e olho pra ela. Natália detona uma faísca e sopra fogo e fagulhas na minha direção, mas espantosamente as chamas se espalham num leque mágico e mergulham tudo numa inundação laranja, num fluído de calor e entropia. A mesa, o computador, o fogão, as louças díspares, as roupas, tudo torna-se líquido e disforme ou simplesmente desaparece reduzido a cinzas.
Exceto ela.
Não pude vê-la levantar com sua pele quente e ainda imaculada e misturar a raiva e o assombro, num gesto automático, instintivo, pra cuspir no meu corpo chamuscado um misto de saliva e despedida, recuperar seu isqueiro vermelho e correr ainda descalça para a rua onde ninguém pudesse descobri-la, coberta com uma cortina semi-inflamada sobre os cacos e as bitucas coladas às solas dos seus pés, entre prédios e o vazio permanentemente vigiado da madrugada.
Ppor Pque Po PtexPto Pse PchaPma PP?
ResponderExcluirPp Pq Pé PpeqP.?
PpePlePziPnha!
"e três... não, quatro 7 belo"
ResponderExcluir[gauchismo detected]
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http://www.minguante.com/?num=3&textos=dennis_d
legendinha feliz:
ResponderExcluirgauchismo = http://www.insanus.org/novacorja/archives/022704.html
P é o símbolo do elemento fósforo.
ResponderExcluirAgora faz todo sentido.
ResponderExcluirAchei bonito.
deveras péssimo
ResponderExcluirpalavras difíceis não camuflam idéias fracas
é tu chico chicó!
ResponderExcluiroutro que não faz nada da vida.. to sem sono.
as diagonais merecem nosso inteiro respeito!
ResponderExcluira seguir, o sentido do desenho:
aproveitamento de modelo e empolgação das técnicas aprendidas!
falar mais do que isso seria mero blábláwhiskassachet.
if you close the door the night could last forever.
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