Minhas pernas ficam pesadas como duas tias gordas que eu insisto em puxar e arrastar a revelia do quanto meu pulmão possa curvar-se e queimar. E não tem problema, nada pode me incomodar agora que eu lembrei: amanhã é sábado, não trabalho, e se trabalhasse não poderia ir porque não há saída, sabe, é tudo essa massa, tudo esse... como um grande vulto que se percebe mas não se reconhece. Recosto-me e deslizo lentamente pra baixo. Grandes manchas de luz poluem o céu.
Não Gustavo, não adianta buscar sem saber o quê, e sem caminho você vai continuar deslizando pra baixo e a sua auto-piedade não vai virar um foguete e te levar pra cima porque você sabe que tem a gravidade e talvez nem seja isso mas auto-piedade não, não vai adiantar beber e cravar teus olhos injetados no rosto apagado de alguém quando teus olhos, meu bem, teus olhos mal enxergam. E já era hora de você notar isso, mas agora é noite e você vai ficando velho e macerado e cada vez menos sóbrio a ponto de qualquer dia não poder mais encontrar uma saída e aí a saída vai ser continuar na mesma, por mais que de uma hora pra outra isso deixe de fazer qualquer sentido.
"Meu maior medo é esquecer o que me levou a trabalhar. Depois de um tempo teus planos desaparecem porque tu talvez tenha te tornado outra pessoa e, tudo bem, de uma forma ou de outra tu sempre acaba te tornando outra pessoa, mas há algo do que eu sou hoje nos meus sonhos e parece que perdê-los é me perder, não?"
Gustavo olha pra mesa. O bar tá cheio.
"De onde tu tirou isso?" - a queridinha.
"Bem, sei lá. Só tenho a impressão de que mal começamos e já tá tudo errado."
"É risco de se começar qualquer coisa. E que importam teus sonhos? Eles são só um pedaço da noite, e a noite só um pedaço do dia. Pare de pensar sobre isso."
E por mais que não fizesse sentido, ele acabou parando mesmo.